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De bicicleta pela Ecopista do Dão



Dois adultos, dois miúdos, quatro bicicletas, um atrelado. Foi assim, em Viseu, que começou a nossa primeira viagem de bicicleta a quatro.

Esperavam-nos mais de 50km de bicicleta, em autonomia, pelo meio de uma magnífica paisagem pintada em tons de verde.

Para combater o frio, chuva e vento com que as previsões meteorológicas nos ameaçavam, levámos na bagagem roupa impermeável, sacos estanques e uma dose gigante de motivação.

Confesso que, quando acordámos, ponderámos desistir. Tal era a tempestade que se abateu lá fora. As previsões não eram nada animadoras. A confirmarem-se, esperavam-nos 35km a pedalar ao frio, vento e muita chuva.

“Se não conseguirmos continuar, fazemos só uns quantos quilómetros para os miúdos não ficarem desiludidos e voltamos para trás” - foi com este pensamento que tirámos as bicicletas do carro, montámos o atrelado, distribuímos a bagagem pelos alforjes e decidimos arrancar.

Confirmou-se o frio. A dada altura, o G. dizia que não sentia as pontas dos dedos. Isto apesar de ter luvas de forro polar por baixo das luvas de bicicleta. O vento que vinha de frente também obrigava a um esforço acrescido. Bicicleta e vento não combinam muito bem. E, para complicar, apanhámos uma chuvada forte mesmo no início da viagem.

Apesar de tudo isto, os miúdos portaram-se à altura do desafio. Bem dispostos. Sorridentes. Sem queixas. Sem birras.



Logo à saída de Viseu, a Ecopista cruza com pequenas estradas onde passam carros. Estes cruzamentos estão bem sinalizados e são seguros. Um conjunto de pilaretes de madeira, dispostos em zig-zag, obrigam a abrandar e a passar a estrada com cuidado. Tenho pena que não estejam pensados para atrelados. Os primeiros foram um desafio, mas depois o Pedro lá apanhou o jeito de passar à primeira.

No fim do dia, quando chegámos ao alojamento, fomos recebidos pela Prazeres com um sorriso, um bolinho caseiro e uma casa quentinha. Que maravilha! No céu, estendeu-se um arco-íris que fez as delícias dos miúdos.

A verdade é que este dia tinha muitos ingredientes para correr mal. Há coisas mais confortáveis do que pedalar nestas condições. Especialmente com crianças pequenas. Mas não correu. Arrisco até a dizer que superou todas as nossas expectativas. Para nós, ficou mais uma vez claro que a grande chave para o sucesso é a motivação. E nós tínhamos disso para dar e vender.



Durante a viagem, a M. foi mudando de meio de transporte. Para além do atrelado e da cadeira da bicicleta, tínhamos trazido ainda a sua bicicleta de madeira, sem pedais. Não sabíamos se daria para usar na Ecopista, mas certamente poderia usar ao fim do dia, quando chegássemos aos alojamentos.

No primeiro dia, a bicicleta de madeira não saiu de trás do atrelado. Mas na manhã do segundo dia, depois de ter andado no jardim em frente à casa onde dormirmos, ela pediu se podia arrancar na sua própria bicicleta. Estava bom tempo e a etapa era mais curta, por isso acedemos.

Os primeiros 2km do dia foram feitos assim. Com quatro bicicletas e um atrelado. Ela estava tão feliz! Aquelas pernas pequeninas não pararam. De vez em quando queixava-se dos pulsos e do polegar. Mas estava a custar-lhe desistir. Repetia: “Eu sou forte. Eu consigo”. Apesar de lhe dizermos diversas vezes que podia ir para a cadeira quando quisesse.

Começou a chover. E, mesmo assim, continuou. Não se deixou vencer pela chuva. Argumentou que tinha casaco e calças impermeáveis. Tinha razão! Acedemos, mais uma vez.



Ao fim de 2km, concordou em ir para a cadeira. E combinámos que daí para a frente, alternaria entre as duas coisas. Ao fim do dia deverá ter feito uns 3 ou 4km. Estava orgulhosa.

Aquilo que estes desafios têm de melhor, para além do gozo natural que dão, é a capacidade de resiliência que nos ensinam a ter. A felicidade de ultrapassar as dificuldades o esforço e a persistência. E isso, sim, são lições de vida valiosíssimas.

Foram 55km desafiantes. Apesar de ser um percurso fácil, com pouco desnível e quase sem carros, a dureza das condições atmosféricas tornou a viagem mais exigente para os miúdos.




Fizemos a viagem sem pressas. Quisemos ter tempo para desfrutar da companhia uns dos outros, para nos deixarmos deslumbrar pela paisagem. Parámos algumas vezes. Para comer, para ver o rio, para fotografar, para brincar. Deixámos que os miúdos ditassem o ritmo.

Também por isso, achámos importante dar a oportunidade à M. de andar na sua própria bicicleta. Para ela, foi importante perceber que também estava a participar ativamente. Que também conseguia superar-se.

O plano inicial era deixá-la andar de bicicleta ao fim do dia, quando chegássemos às casas novas. Por isso escolhemos levar a bicicleta de madeira. É mais leve e mais fácil de transportar do que a bicicleta com rodinhas. Se soubéssemos que ela iria querer andar tanto tempo na Ecopista, talvez tivéssemos feito de forma diferente.

O G. percebeu logo a importância de a deixar sentir a satisfação da superação. Ainda que não gostasse de ter que abrandar o ritmo e parar mais vezes do que queria. Apesar de toda a frustração, ajudou a irmã. Deu-lhe palavras de incentivo. Mostrou-se orgulhoso. Acompanhou-a. Esta relação que eles estão a construir é maravilhosa. Esta cumplicidade que se transforma em cuidado. Em altruísmo. É este o poder do amor!



A paisagem que acompanha a Ecopista do Dão é magnífica. Muito verde, pouco queimada. Só numa pequena parte do percurso encontrámos árvores fustigadas pelo fogo do Verão passado. A certa altura, abandonado num velho apeadeiro, um comboio a vapor chamou a nossa atenção. Foi o momento ideal para uma pequena paragem. Subimos ao comboio (que parecia fantasma), explorámos as carruagens cheias de ferrugem e teias de aranha. Ocupámos o lugar do maquinista. Imaginámos o que seria conduzir um comboio daqueles. Parecia uma aventura daquelas que lemos nos livros.

Um pouco mais à frente, chegaram as pontes de ferro. Algumas passavam por cima das árvores, outras por cima do rio. Através das grades do chão, conseguíamos ver o que estava por baixo de nós. Para os miúdos foi um misto de medo com excitação.

Quando, ao segundo dia, o rio Dão apareceu ao nosso lado esquerdo, percebemos que a viagem estava a chegar ao fim. Era ele que iria acompanhar-nos até Santa Comba Dão.



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